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JUSTIÇA CONDENA SUPERMERCADO ASSAÍ POR HOMOFOBIA NO RN


O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 21ª Região, com sede em Natal (RN), condenou o supermercado atacadista Assaí, em 2ª instância, a indenizar o ex-operador de caixa Udson Mafra Sbrana, 34 anos, por danos morais.

Segundo os autos do processo, o resultado foi provocado pela constatação de uma série de discursos e atos discriminatórios contra o ex-funcionário em razão de sua orientação sexual. A reportagem é de Victor Varela, publicada pelo site Saiba Mais.


Em meio a risos de deboche e olhares de reprovação de colegas de trabalho e de um superior hierárquico, Udson foi alvo, repetidas vezes, de expressões como “voz fina”, “bicha”, “viado” e “gay” nas instalações do Assaí. Esse tratamento foi relatado pela vítima e por quatro testemunhas ouvidas durante o processo movido na Justiça do Trabalho.

“Uma coisa é você trabalhar quase nove meses dentro de uma empresa que te oferece um ambiente de trabalho sadio. Parece pouco tempo. Outra coisa é você trabalhar numa empresa com um ambiente insalubre para seu psicológico e para seu físico até, sendo alvo de chacota diária durante todo esse período”, desbafa Udson na entrevista concedida ao site Saiba Mais.

Antes de ser demitido do Assaí, em março de 2015, Udson afirma ter comunicado aos seus superiores, em vários momentos, as ofensas pelas quais vinha passando cotidianamente.

“Nas várias vezes que eu cheguei para a chefe do meu setor, para as fiscais e até para o setor responsável pela parte de prevenção e segurança [do trabalho], ninguém fez nada. Pediam-me calma, diziam que iriam fazer reuniões, mas nunca foi feito nada em meu favor. Várias e várias vezes eu chegava para desabafar com as pessoas da própria empresa chorando, porque eu não aguentava mais, eu queria dar um basta. As pessoas não têm noção do que é chegar ao refeitório do seu trabalho para comer e sair atacado por ofensas, chorando sem sequer conseguir me alimentar”, disse.

Nos autos do processo, o Assaí negou que Udson tenha sofrido qualquer tipo de discriminação no ambiente laboral enquanto trabalhou na sua loja da BR 101, em Natal/RN. Apesar da negativa, os advogados de defesa da empresa não apresentaram provas contrárias suficientes. Na condenação em primeira instância, a sentença da Juíza do Trabalho, Derliane Rego Tapajós considerou o Assaí culpado.


O supermercado foi condenado em março de 2018 a arcar com uma indenização de R$ 30 mil. Conforme a decisão judicial, foi considerado o porte do estabelecimento, pertencente ao grupo Casino, um dos maiores grupos empresariais do Brasil e do mundo, e o longo período em que Udson esteve submetido às situações de “constrangimentos psicológicos e humilhações no local de trabalho, inclusive em face da sua orientação sexual, capazes de caracterizar o assédio moral”.

A defesa do Assaí recorreu da decisão e o supermercado foi condenado, mais uma vez, em 2ª instância no TRT/RN, na primeira semana de abril deste ano. O voto do desembargador Eridson João Fernandes Medeiros recomendou, contudo, a redução da indenização para R$ 15 mil, buscando evitar suposto enriquecimento. No entanto, o voto da desembargadora Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro convenceu a maioria dos desembargadores, que a acompanharam na manutenção do valor original da indenização.

Em seu voto, a desembargadora afirmou manter o valor “ainda que elevado [para esse tipo de causa], porque se trata de medida importante contra a interferência sobre orientação sexual de pessoas”. Em suas palavras, “a homofobia, disfarçada em brincadeiras e caçoadas, atenta contra o direito humano à autodeterminação. Cabia à empresa adotar medidas enérgicas”.

Para Udson, técnico em Guia de Turismo e graduado em Turismo, o valor foi justo, mas não capaz de promover qualquer enriquecimento. Segundo ele, a indenização ainda não foi paga, mas já está integralmente comprometida com o pagamento de dívidas geradas durante os quase três anos em que esteve desempregado e com projetos profissionais futuros.

Apesar de incomum, a decisão do TRT/RN lembra a condenação da Ricardo Eletro, que teve que indenizar em R$ 30 mil um de seus vendedores por danos morais, também vítima de ofensas homofóbicas. A discriminação foi praticada por um gerente de vendas de uma das lojas da rede, em Vitória (ES). A decisão unânime da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) negou recurso e, além da indenização, a empresa teve que arcar, durante um ano, com pagamentos mensais de R$250 para auxiliar o vendedor na compra de medicamentos para tratamento de depressão.

O diretor da divisão de Comunicação Social do TRT/RN, Ciro Pedroza, afirmou que não conseguiria precisar se a decisão judicial em favor de Udson era inédita no Rio Grande Norte, mas, em suas palavras, “com certeza, é uma decisão fora da curva do que é usual”.


A decisão da corte potiguar assume uma importância destacada diante da paralisação do julgamento da criminalização da LGBTfobia no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO nº 26 e do Mandado de Injunção – MI nº 4733. Não há data para a retomada do julgamento. Dos 11 ministros da Corte, quatro votaram pela equiparação homofobia ao crime de racismo.

Diante desse cenário e do resultado da sua causa, Udson diz acreditar que seu processo simboliza um marco histórico no estado, para ele e para as demais pessoas LGBT: “Na época em que eu passava por isso na empresa, eu chorava, orava a Deus e não entendia porque eu estava passando por tudo aquilo. Hoje eu sei. Minha vida, minha história e meu processo estão em benefício de uma causa muito maior, a de impedir que outras pessoas passem pelo que passei. Que tudo isso sirva para fomentar políticas públicas e privadas de combate à LGBTfobia.”

O grupo GPA, do qual a empresa Assaí faz parte, enviou uma nota à imprensa sobre a condenação do supermercado pelo caso de homofobia em uma de suas lojas no Rio Grande do Norte.


Primeira e segunda instância pela Justiça do Trabalho.

“Se a rede, de fato e não só por marketing, alega que tem compromisso com a questão do respeito à diversidade, eu gostaria de propor o seguinte: que ela abdique dos prazos recursais, que ela abdique de fazer qualquer embargo de declaração e de recorrer ao TST ou ao STF, que ela efetue o pagamento da indenização o mais prontamente possível e que emita uma nota pública de repúdio explícito a qualquer tipo de ato LGBTfóbico dentro de suas empresas e um pedido desculpas não só a mim, mas a toda comunidade LGBT, que, assim como eu, sofre em tantas outras empresas”.

Leia, na íntegra, a nota da assessoria de comunicação do Assaí:

“A rede não comenta processos judiciais em andamento. Esclarece que repudia veementemente qualquer ato discriminatório e as situações relatadas pelo ex-colaborador não correspondem ao padrão de conduta exigido pela empresa de seus colaboradores em seu Código de Ética. Informa, ainda, que disponibiliza um canal de Ouvidoria para denúncias de atitudes contrárias ao Código. A companhia tem como valor e compromisso o respeito à diversidade e aos direitos humanos e, anualmente, estabelece uma agenda interna com foco na conscientização e engajamento de seus colaboradores para diferentes temáticas, como equidade de gêneros, equidade racial, inclusão de pessoas com deficiência, diversidade etária e direitos LGBTI+. Além disso, desde 2017, é signatária do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, e realiza, anualmente, a Semana da Diversidade, além de abordar o tema no processo de integração de novos funcionários e nos treinamentos das lideranças. Como resultado desse trabalho, o tema “Respeito a Diversidade” está entre os três assuntos mais bem avaliados em nossa pesquisa interna de engajamento de 2018.”

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