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MERENDA ESCOLAR MATA FOME DE CRIANÇAS NO AMAZONAS


“De 2010 a 2018, eu fui professora de Educação Física das turmas do 6º ao 9º ano em uma escola no bairro São José, em Manaus. Na minha aula, que começava às 15h15, vez ou outra alunos perguntavam o que seria a merenda do dia. Em resposta, eu perguntava se eles não haviam almoçado, e sempre algum dizia que não”. A fala é da professora Fabíola Neves, de 53 anos. Ela, que hoje é diretora de uma creche no conjunto Canaranas, bairro Cidade Nova, Zona Norte de Manaus, já viu de perto a fome que atinge 9 milhões de menores de 14 anos, segundo a Fundação Abrinq, que promove os direitos da criança e do adolescente. 

Em 2014, a notícia foi capa em inúmeros jornais e revistas. O Brasil havia sido retirado do Mapa da Fome, realizado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Segundo os dados, o país tropical havia reduzido em 82%, de 2002 a 2013, a quantidade de brasileiros em situação de subalimentação, que é quando falta comida ou ainda elementos indispensáveis no prato (vitaminas ou proteínas, por exemplo). A merenda escolar para 43 milhões de crianças e jovens foi um dos pontos positivos para alcançar o resultado, segundo apontou a Secretaria Especial de Desenvolvimento Social, à época. 

Embora estivéssemos caminhando para acabar cada vez mais com o problema, ocorreu uma mudança. A fome no Brasil voltou a crescer. É o que mostra o Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional Na America Latina e Caribe e um relatório da ONU, divulgado em novembro de 2018. A informação consta no site da revista Super Interessante. 

O medo da fome

A volta do monstro debaixo da cama, que é a fome, reflete na vida da dona de casa Elivane Vieira, 37, mãe de um filho de cinco anos. Desempregada e com dificuldade para caminhar após uma forte anemia, Elivane recebe um benefício de R$954 do INSS, por conta da invalidez.

Parte do valor recebido vai para o pagamento do aluguel de R$300 que ela divide com os pais. Eles moram em uma casa de madeira no beco Soares, Compensa, Zona Oeste de Manaus. Como Elivane está em tratamento após as sequelas da anemia, o restante do benefício fica dividido na compra dos remédios e também na alimentação para sustentar ela e o filho. Mas, como é de se esperar, não dá conta de todas as despesas.

“As vezes falta e eu fico esperando chegar o final do mês pra poder comprar comida. O meu filho é pequeno ainda, não entende algumas coisas. As vezes ele quer uma comida diferente, um filé de frango ou um lanche e eu não tenho como comprar pra ele. A gente come pão e vai dormir”, relata Elivane, com os olhos cheios de lágrimas. 

Durante a entrevista, foi possível observar uma sacola com cinco pães pendurada na parede da cozinha de Elivane. Em determinado momento, ela levantou da cadeira onde estava sentada e caminhou, com dificuldade, até a sacola. Após apanhar um dos pães, o levou até o quarto onde o filho via TV. A criança, por sua vez, recebeu o pão e o comeu em minutos. 

Quando perguntada sobre a importância da merenda escolar no contexto em que vive, ela defendeu o direito. “Meu filho estuda só no vespertino, mas já ajuda muito. Ele almoça em casa e depois merenda na escola. Eu até quero colocar ele em uma escola integral quando ficar mais velho, porque vou ficar mais tranquila. Algumas pessoas já me falaram que é bem melhor”, conta Elivane, que sonha em conseguir guardar um dinheiro para conseguir trabalhar como autônoma. 

Fome nos interiores

Pessoas que passam fome são encontradas em todas as partes do mundo. A Organização das Nações Unidas apontou 820 milhões de pessoas que não tiveram acesso suficiente à comida, em 2018. Mas não é necessário sair do Amazonas para encontrar quem precise de comida. 

“Estou há três anos como pedagoga do Instituto Federal do Amazonas no município de Presidente Figueiredo, mas também já atuei na mesma função em Tabatinga, de 2016 a 2017. Enquanto eu trabalhava lá [em Tabatinga], as crianças recebiam lanche de manhã e à tarde, mas o almoço escolar não era para todos por falta de recursos” conta a pedagoga Débora Pereira.

Segundo ela, o que se fazia na escola era uma seleção para estudantes comprovarem baixa renda. Só os aprovados podiam almoçar. O que acontecia é que as crianças acabavam dividindo o próprio prato com outros colegas. “Tinha também os casos em que os próprios professores pagavam comida para os alunos”, lembra a pedagoga.

Já no Instituto Federal do Amazonas em Presidente Figueiredo, onde ela trabalha atualmente, a situação parece ser diferente. “No campus de [Presidente] Figueiredo todos têm acesso à alimentação, tanto lanche quanto almoço. A comida, inclusive, é elogiada por alunos e pais”. ressalta Débora. 

A reportagem conversou também com a nutricionista Adelaide Araújo, que trabalha no mesmo campus do Ifam. Quando perguntada sobre a relação dos alunos com a alimentação, a profissional fez questão de relatar casos que demonstram a importância da merenda. 

“É possível ver quão essencial é a alimentação fornecida pela escola no turno da noite aqui no Ifam. Isso porque quem estuda à noite geralmente tem uma condição financeira menor. Tem um pai que leva os dois filhos pra aula e na hora da merenda, ele aproveita pra alimentar as crianças. Nós sabemos disso e não impedimos, claro”, conta a nutricionista da escola. 

A profissional lembra ainda de uma senhora que estuda à noite e costuma levar uma vasilha para guardar a merenda fornecida na escola e levar para a família, que espera em casa o alimento. “Imagina o que a família dessa senhora deve passar nas férias, quando não tem a ajuda da escola”, ressalta. 

Quanto à logística da merenda, segundo ela, o que vai ser servido é planejado de um ano para o outro. Além disso, levam em conta, dentre vários fatores, a idade, região e cultura dos alunos. 

A profissional diz que segundo a resolução nº 26, do Programa Nacional de Alimentação Escolar, quando uma criança estuda meio período, tem direito a uma refeição, geralmente um lanche equivalente a 20% do que ela precisa comer por dia.

Já nos casos em que o aluno estuda em regime integral, Adelaide explica que a orientação é que a criança receba três refeições, ou seja, duas merendas e um almoço. Isso equivale a 70% da necessidade nutricional diária da criança. 

“Se a criança não tiver uma alimentação adequada você vai notar a diferença no comportamento. Eles provavelmente vão ficar mais apáticos e ter dificuldade para aprender. Até mesmo ficar sonolentos”, explica a nutricionista.

Fonte: Waldock Junior

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