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COMPRAS DE NATAL: CONSUMIDOR COM DEFICIÊNCIA É NEGLIGENCIADO, DIZEM ESPECIALISTAS


No dia 3 de dezembro, é o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, data comemorativa promovida pelas Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1992 com o objetivo de mobilizar a defesa da dignidade, dos direitos e o bem-estar das PcDs. É uma data celebrada no mês mais festivo do ano, de muita movimentação nas ruas por causa das confraternizações e, principalmente, do consumo envolvendo os preparativos de Natal.

E, por esse motivo, cabe a reflexão: a dignidade, os direitos e o bem-estar das pessoas com deficiência estão garantidos em meio a tanta agitação? E mais: PcDs acessam as mesmas condições e o mesmo atendimento que as pessoas que não têm deficiência nos estabelecimentos comerciais?

Segundo especialistas ouvidos por Terra NÓS, ainda há um longo caminho a percorrer em se tratando de inclusão e igualdade. Soluções arquitetônicas e de acessibilidade, como rampas de acesso, vagas no estacionamento e banheiros acessíveis já são uma realidade na maioria dos grandes shoppings centers do país, mas estão longe de ser o ideal e nem sempre atendem às necessidades e expectativas de um contigente tão diverso e complexo como o de PcDs. Sobre o comércio de rua, então, o cenário é ainda mais problemático.

O problema maior, no entanto, não diz respeito à infra-estrutura, mas à qualidade do atendimento recebido nas lojas. "A verdade é que, na maioria dos casos, a pessoa com deficiência sequer é considerada um consumidor", observa Mizael Conrado de Oliveira, presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil secional São Paulo (OAB/SP).

O ponto de vista de Mizael tem fundamento pessoal. Cego de nascença devido a uma catarata congênita, ele fez carreira no futebol paralímpico com direito a medalhas e título de melhor jogador do mundo em 1998. Advogado e mestre em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV), hoje luta pelos direitos de pessoas com deficiência.

"Já enfrentei e sigo enfrentando diversas situações discriminatórias na lojas e sei que elas são recorrentes entre pessoas com outras deficiências. Produtos mais baratos e populares costumam ser empurrados para nós, porque acham que deficientes não têm condições de adquirir artigos caros. É comum eu fazer uma pergunta e ser ignorado, porque simplesmente fingem que não me vêem ou ouvem. Ou, ainda, responderem com 'hoje eu não posso ajudar', como se eu estivesse ali para pedir esmola", exemplifica Mizael, que aponta ainda a dificuldade constante de pagar a conta, uma vez que nem todas as maquininhas de cartão são adaptadas.

Comércio precisa rever práticas

A reação de Mizael frente a esses contratempos é, geralmente, ir comprar em outro lugar. De acordo com Gisele Paula, cofundadora do site Reclame Aqui e CEO do Instituto Cliente Feliz, a atitude do advogado é comum.

"Se a gente for estimar um percentual sobre as reclamações envolvendo demandas de PcDs, vamos nos deparar com uma minoria. Não chega a 10% das reclamações. Por quê? Porque normalmente quando um PcD é mal atendido ou maltratado, ele nem chega a concluir uma compra, a realizar um processo completo com a empresa. Então esses dados pouco aparecem num rol estatístico dentro de uma empresa", explica.

Segundo Gisele Paula, não é nada complicado investir na acessibilidade do atendimento ao cliente, pois não faltam consultores e especialistas no mercado aptos a realizar um treinamento adequado para capacitar colaboradores ou ensinar a Língua Brasileira de Sinais, por exemplo, em se tratando de deficientes auditivos não oralizados.

"Em muitos casos, não é que o pessoal do atendimento não quer ser prestativo. Eles simplesmente não têm informação suficiente para lidar com as necessidades de um deficiente visual ou de alguém que precisa de ajuda num provador porque usa uma prótese, por exemplo", comenta.

Cris Kerr, palestrante e consultora de Diversidade e Inclusão, reforça a urgência de treinamentos para evitar ainda atitudes que, num primeiro momento, podem parecer solícitas ou amáveis, mas têm viés capacitista. "Um exemplo claro é quando uma pessoa adulta com deficiência está acompanhada de outra pessoa. Ao invés de o vendedor responder a pergunta que a pessoa com deficiência fez, ele responde para o acompanhante. Embora até consiga comprar o que deseja, esse tipo de barreira atitudinal não deixa de levar a pessoa com deficiência a não se sentir bem ali naquele ambiente, a não se sentir realmente pertencente", afirma.

Perguntar é o ponto-chave dos treinamentos de atendimento do Instituto Feliz e parte da observação e da empatia com o cliente. "Perguntar se precisa de alguma ajuda no atendimento ou se requer algum tipo de atendimento diferente é essencial. Muitos colaboradores até querem prestar um atendimento de qualidade, mas ficam esperando o cliente tomar uma atitude e nem sempre ele vai tomar", diz.

As deficiências ocultas ou invisíveis costumam ser alvo de confusão, sobretudo no uso da fila preferencial, ou desconfiança não só entre vendedores como entre os demais consumidores. No entanto, conforme lembra Vivianne Ferreira, docente de Direito da FGV em São Paulo (SP), o princípio fundamental é o respeito aos direitos de pessoas com deficiência. "Por isso, execer a empatia e partir da ideia de que há boa-fé de ambos os lados são ações essenciais. Não é admissível colocar em dúvida a declaração da pessoa com deficiência, mesmo que esta não seja imediata ou diretamente identificável para o interlocutor", pontua.

Para Cris Kerr, o cordão de girassol é uma boa alternativa para identificar as pessoas com deficiências ocultas ou não aparentes e que ajuda a promover conscientização. "Ele facilita, mas ainda não foi muito bem divulgado, e é opcional. Na verdade, o ideal seria que as pessoas não precisassem desse acessório, mas ele veio para ajudar um pouco nesses desafios de serem questionadas do porquê que elas estão ali, numa fila preferencial", fala.

Emoção x razão

Boulevard Shopping, em Feira de Santana (BA). Mãe de um menino autista, ela alegou que uma funcionária a tratou de maneira discriminatória ao não querer atendê-la e resolveu filmar sua reação como forma de denúncia. A atendente foi demitida.
O caso, conforme Gisele Paula, ilustra a relevância de quem trabalha com atendimento saber lidar com as emoções e seu impacto em cada pessoa. No vídeo, a mulher reclama que foi ao caixa preferencial, mas que a funcionária a direcionou a outro caixa pela dificuldade do atendimento com a criança e teria dito "Não me passe essas bombas, não".

FONTE: Terra

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