ANÉIS DE CRESCIMENTO DE ÁRVORES REVELAM MUDANÇAS EXTREMAS NA SAZONALIDADE DE CHUVAS NA AMAZÔNIA
Pesquisadores identificaram mudanças marcantes no regime de chuvas da Amazônia nas últimas quatro décadas, com estações chuvosas mais úmidas e estações secas ainda mais secas. Este é um padrão que vem agravando eventos extremos de enchentes e secas (intensificação do ciclo hidrológico), com impactos sobre populações e ecossistemas na região.
O estudo foi feito por uma equipe internacional de cientistas das Universidades de Leeds e Leicester (Reino Unido) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), a partir de análises de isótopos de oxigênio contidos nos anéis de crescimento de árvores amazônicas. Os resultados foram publicados na terça-feira (17), na revista Communications Earth and Environment.
Ao analisar amostras de duas espécies, Cedrela odorata, também conhecida como cedro-vermelho, típica das florestas de terra firme, e Macrolobium acaciifolium, conhecida como arapari, comum em áreas alagáveis, os pesquisadores conseguiram reconstruir variações sazonais de precipitação desde 1980. A partir das análises, os dados indicaram um aumento de 15% a 22% nas chuvas da estação chuvosa e uma redução de 5,8% a 13,5% nas chuvas da estação seca. As árvores de terra firme e de várzea ficam em áreas da Amazônia Ocidental de aproximadamente 1.000 km de distância.
“Nossa análise mostra que o ciclo hidrológico da Amazônia está se tornando mais extremo, com implicações sérias para os ecossistemas da região e para as populações que dela dependem”, afirma o pesquisador da Universidade de Birmingham e coautor do estudo, Bruno Cintra, doutor em Ecologia e Mudanças Globais (Leeds/ Inglaterra) e egresso do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ecologia do Inpa, orientado pelo pesquisador Jochen Schöngart.
A intensificação dos extremos sazonais representa uma ameaça crescente à estabilidade ambiental e social da região. De um lado, mais chuvas na estação úmida têm elevado a frequência de enchentes severas; de outro, a escassez na estação seca agrava os períodos de estiagem. Como consequência, explica Cintra, a amplitude anual da enchente, que é diferença entre o nível máximo e o nível mínimo do ano anterior, aumentou na região central da Amazônia em quase 18% no século atual (média de 11,79 metros) em comparação com o anterior (média de 10,02 metros). O resultado é o maior valor já observado com mais de 16,7 metros, com base nos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH) da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
“Os registros isotópicos revelam o aumento da intensidade de enchentes e secas, e com isso um aumento da amplitude entre os extremos na maior bacia hidrográfica do mundo,” explica o pesquisador do Inpa, Jochen Schöngart. “Isso é preocupante, pois afeta diretamente a segurança hídrica, alimentar e os modos de vida de milhões de pessoas, incluindo populações tradicionais e indígenas”, completa Schöngart, que é líder do projeto de Pesquisa Ecológica de Longa Duração Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas (Peld/Maua).
Além dos impactos locais, o estudo tem implicações globais. A Floresta Amazônica atua como um dos principais reguladores climáticos do planeta, influenciando padrões atmosféricos e funcionando como importante sumidouro de carbono, absorvendo grandes quantidades de dióxido de carbono da atmosfera. Pesquisas já mostram, entretanto, que o desmatamento e as queimadas estão reduzindo essa capacidade da floresta.
Segundo os autores, a metodologia baseada em isótopos permitiu captar as mudanças sazonais com mais precisão do que registros climáticos convencionais. “Esses registros de anéis de crescimento fornecem evidências independentes cruciais de que o ciclo hidrológico da Amazônia está mudando diante dos nossos olhos”, destaca a pesquisadora da Universidade de Leeds Jessica Baker. “O contraste crescente entre as estações chuvosa e seca ameaça a saúde de todo o ecossistema amazônico e das suas comunidades”.
O estudo também utilizou modelos isotópicos e análises de sensibilidade para estimar a magnitude das mudanças nas chuvas ao longo do tempo, considerando diferentes variáveis atmosféricas.
“Essas alterações afetam diretamente a agricultura, a geração de energia, a saúde pública e aumentam a mortalidade de árvores e a ocorrência de incêndios florestais,” comentam os coautores Roel Brienen e Emanuel Gloor, ambos da Universidade de Leeds.
Com a COP30 se aproximando, os autores destacam a importância de ações decisivas. Para eles, compreender como o ciclo hidrológico da Amazônia está mudando é essencial para prever cenários futuros e orientar políticas eficazes de conservação e adaptação. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas será realizada de 10 a 21 de novembro, em Belém (PA).
FONTE: Ascom/INPA
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