REVISTA ÉPOCA DIZ QUE SIQUEIRA JR É O APRESENTADOR DOS BOLSONAROS
No fim de janeiro, o apresentador de televisão José Siqueira Barros Júnior mal escondia o nervosismo antes da estreia em rede nacional, aos 52 anos, após mais de 30 atuando em emissoras locais do Norte e Nordeste. No ar desde junho de 2019, seu programa Alerta Amazonas, da TV A Crítica, passaria a ser transmitido de Manaus para todo o país pela RedeTV!. “O pessoal me disse que eu estava mudando a história da TV brasileira, porque geralmente tudo é gerado em São Paulo ou no Rio”, lembrou. “Minha ficha só caiu dias depois. Comecei a tomar Rivotril. Coisa de velho.” A claque de Sikêra Júnior, como o apresentador pernambucano é conhecido, tinha apoiadores inclusive na família presidencial. “É hoje!”, escreveu o deputado federal Eduardo Bolsonaro no último dia 28, horas antes da estreia. “Arrebenta!!!”, emendou o senador Flávio Bolsonaro, marcando o perfil de Sikêra Júnior nas redes sociais.
O mais novo expoente, e um dos mais estridentes, da longa tradição de programas que exploram a tragédia e a miséria humanas, desta vez com um toque de humor, Sikêra Júnior se define como um “Chacrinha do policialesco”. “Gangue, porrada, tiro, assalto a banco, não é isso que o povo quer ver mais. Tem de deixar o programa mais engraçado. O cara quando chega em casa às 6 horas da tarde quer relaxar, dar risada”, disse, ao explicar o tom da atração. Mesmo assim, seu programa não chegou a tirar a RedeTV! do 5º lugar do ranking de audiência na faixa das 18 às 20 horas. A novidade, contudo, repercutiu nas redes sociais, onde ele soma 4,7 milhões de seguidores entre Twitter, Instagram e Facebook. No YouTube, em que são raros os canais próprios de apresentadores policiais, Sikêra Júnior arrebanha 1,8 milhão de seguidores. Durante a estreia nacional, a hashtag #AlertaAmazonas chegou ao topo dos assuntos mais comentados das redes. “É muita emoção para esse bando de gente feia”, vibrou Sikêra Júnior, ao vivo. Em seguida, convocou a equipe do programa para dançar enquanto cantarolava: “Uma bicuda na cara do cão, ele é maconheiro, ele é ladrão”. Pouco antes, em um intervalo de um minuto, havia puxado uma salva de palmas para o ferimento de um assaltante em uma troca de tiros com um policial e, em seguida, exibido para as câmeras um de seus assistentes com o cabelo pintado de rosa.
No dia 8 deste mês, foi a vez de o presidente Jair Bolsonaro compartilhar um trecho do programa, no qual Sikêra Júnior opinava que “a família faltou pouco para ser destruída nesse país, mas estamos reagindo”, e debochava de lemas adotados pela oposição a Bolsonaro nas eleições de 2018, como “Ele não” e “Ninguém solta a mão de ninguém”. No mesmo dia, Eduardo Bolsonaro reforçou sua opinião de que o apresentador é um perfeito exemplar do conservadorismo: “Você sabe o que é ser conservador? Não precisa estudar, ler livros e fazer cursos. Se você concorda com o Sikêra Júnior, parabéns! Você é um”.
A admiração é recíproca. Apoiador da família Bolsonaro, Sikêra Júnior conquistou a simpatia pública de Eduardo ainda na pré-campanha eleitoral de 2018, quando questionou ao vivo as pesquisas de intenção de voto. “Para bom entendedor, meia palavra basta”, vibrou Eduardo. Na mesma época, o zero três gravou ainda um vídeo para defender o apresentador, alvo de protestos na porta da TV Arapuan, em João Pessoa, onde trabalhava antes de se transferir para Manaus, depois de se referir a mulheres que não pintam as unhas como “sebosas” e chamar uma rapper paraibana de “mal-amada” e “obesa”.
Sikêra Júnior não conhece Jair Bolsonaro pessoalmente, mas afirmou, orgulhoso, que o presidente já telefonou duas vezes para lhe parabenizar pelo trabalho. O apresentador chegou a chamar o presidente para uma entrevista no final do ano passado, durante uma viagem oficial a Manaus — onde Bolsonaro teve 65,7% dos votos em 2018 —, mas não deu certo. “Acho que estou no caminho certo, não só pelo apoio da família Bolsonaro, mas da família brasileira”, disse.
“‘SOU PRECONCEITUOSO, O BRASIL É PRECONCEITUOSO, LAMENTAVELMENTE. MAS, SE VOCÊ ME RESPEITA, EU VOU TE RESPEITAR DOBRADO’, DISSE O APRESENTADOR, QUE SE ORGULHA DE NUNCA TER LIDO UM LIVRO, SOBRE SUAS SEGUIDAS OFENSAS A HOMOSSEXUAIS”
Desde sua estreia nacional, no fim de janeiro, Sikêra Júnior já debochou de um repórter do canal que estava acima do peso e terminou um programa aos gritos de: “Acabou essa merda” — depois de exibir um vídeo em que o cantor Johnny Hooker se refere a Jesus como travesti. Ele também criticou o cantor Netinho de Paula — “Aquele que bate em mulher” —, sem saber que ele também apresenta um programa na RedeTV!. “Eu só me arrependo depois que falo. Não sabia que o Netinho tinha um programa, eu nem assisto à TV. Ele já se redimiu, pediu desculpas, não precisava daquilo. Às vezes penso que não fui eu que falei, foi uma entidade que entrou em mim. Mas os patrões sabem que não tem maldade.”
Sikêra Júnior não se arrepende, no entanto, de comentários homofóbicos. “Eu sou preconceituoso. O Brasil é preconceituoso, lamentavelmente. Eu não sou diferente. Mas, se você me respeita, eu vou te respeitar dobrado”, argumentou. No início de fevereiro, após o assassinato de três pessoas de uma mesma família chocar São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, o apresentador atacou a filha do casal e sua namorada, que participaram do crime: “Presta atenção, Brasil. Eu vou virar o jogo agora. Imagine se o pai dessa moça, por não aceitar um relacionamento lésbico, matasse essas duas?”, questionou, completando: “A lacração tava com a peste na porta do condomínio”.
Em novembro do ano passado, Sikêra Júnior usou uma narrativa semelhante ao noticiar a suspeita de que um casal de mulheres teria torturado uma criança de 8 anos. “Vamos inverter. Imagine se o pai dessa criança descobre que o menino vinha sendo agredido durante oito meses, torturado, e matasse as duas? Era homofobia”, afirmou no programa, que acabou compartilhado há duas semanas no Twitter de Jair Bolsonaro.
As falas controversas e preconceituosas de Sikêra Júnior chamaram a atenção do Ministério Público da Paraíba e do Ministério Público Federal em 2018, após as declarações do apresentador sobre mulheres que não pintam as unhas. Os órgãos convocaram a TV Arapuan a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), comprometendo-se a veicular peças publicitárias “em defesa da tolerância e do respeito às diversidades”, inclusive durante o programa de Sikêra Júnior. Além disso, a emissora foi obrigada a se retratar pelas declarações “que porventura tenham ofendido as mulheres, ao ditar padrões de beleza e comportamento, possivelmente afastando-se do caráter educativo desta concessão pública de televisão”. Apesar do pouco tempo em Manaus, Sikêra Júnior também já foi alvo de apuração do Ministério Público do Amazonas por declarações homofóbicas. O promotor Evandro da Silva Isolino resolveu, no entanto, arquivar a investigação, sob o argumento de que o apresentador teria feito apenas uma “exteriorização de opinião pessoal” ao comentar que não achava normal a homossexualidade.
Sikêra Júnior afirmou que todos os comentários são espontâneos e que só assiste às reportagens quando vão ao ar, assim como o público. Tudo em nome de uma reação “espontânea, verdadeira”, em suas palavras. Disse não ter mais paciência para acompanhar canais de notícias e também garantiu nunca ter lido na vida. “Livro é um saco. Eu gosto de dormir. Tiro um cochilo depois do almoço, vou para a TV, coloco o terno e não preparo nada do programa”, contou. Seu programa também tem “personagens”, como Samurai e Toalha Podre, mas nenhum se destaca tanto quanto o cantor Bob Noia, que ridiculariza usuários de maconha, uma de suas obsessões. “Meu pai me dizia que todo maconheiro dá o caneco”, afirmou. Em um de seus vídeos mais populares nas redes sociais, Sikêra Júnior adota um tom sombrio — e caricato — durante um aviso: “Você, maconheiro, vai morrer antes do Natal”. Hoje, diz que a declaração faz parte do “personagem”.
Sikêra Júnior é o mais novo de uma galeria de apresentadores linha-dura admirados pelo presidente, como Ratinho. O mais notório deles é José Luiz Datena, da Band, a quem Bolsonaro dá entrevistas rotineiramente e que pode ser seu candidato à prefeitura de São Paulo na eleição deste ano.
Sem pretensões de testar seu nome nas urnas, ao menos por enquanto, Sikêra Júnior disse que será “cabo eleitoral do Bolsonaro” em 2022. Se por algum motivo o presidente não tentar reeleição, ele afirmou que faria campanha para Sergio Moro. Durante uma entrevista de 50 minutos a ÉPOCA, classificou o ministro da Justiça e Segurança Pública como “foda”, “top dos tops” e “James Bond brasileiro”. Para o apresentador, o Brasil “está entrando nos eixos” com o atual governo: “É difícil pra uma rapaziada mimada, tudo pra eles é ditadura. Disciplina é ditadura. O que eles querem é pixar parede, tacar fogo na rua, transformar universidade federal em cracolândia”.
“SIKÊRA JÚNIOR JÁ TATUOU UM GOLFINHO NAS COSTAS QUANDO ERA ADOLESCENTE, FAZ APRESENTAÇÕES COMO DJ AINDA HOJE, VESTIDO COM BERMUDAS DO MICKEY E DO PATETA, E SE DEFINE COMO ‘MEIO CONSERVADOR’: ‘SOU UM VELHO PRA FRENTE’”
Criado na Zona da Mata pernambucana, em um município nas imediações da antiga área do Quilombo dos Palmares e ainda hoje dedicado à agricultura açucareira, Sikêra Júnior teve uma infância pobre, filho de uma costureira e de um cortador de cana. Ele lembrou que o desejo de “ser artista”, como definiu, encontrou resistência do pai, José Siqueira. “Meu pai dizia que era coisa de viado”, afirmou. A insistência do garoto venceu: aos 14 anos, fez teste para uma rádio local — sonhando em ser cantor e longe de se imaginar diante das câmeras — e acabou contratado. Hoje, vive bem, disse que vai comprar um avião e só anda de carro blindado.
Apesar de ter sido apontado por Eduardo Bolsonaro como exemplo de conservadorismo, o próprio Sikêra Júnior rejeita o rótulo: “Totalmente (conservador) não, porque eu sou um velho pra frente. Eu tô meio conservador”. Em maio, por exemplo, ele será a atração de abertura de uma apresentação do DJ Alok na capital amazonense. “Sou DJ desde os 14 anos, então participo de festas, boto minhas bermudas bem alegres do Mickey, do Pateta e do Pluto”, explicou.
Em entrevista ao canal da jornalista Leda Nagle, em maio de 2018, deu um exemplo de seu meio-termo conservador. Ao falar sobre a criação dos filhos, afirmou que não recomendava que fizessem tatuagens. Perguntado por Nagle sobre seus motivos, revelou que ele mesmo tem duas tatuagens nas costas: um golfinho, desenhado quando tinha 16 anos — e coberto depois por um desenho de dragão —, e uma televisão. “Fiz isso em cima de um jipe, off-road, como se diz. Estava doendo muito e nem terminei. Foi na época em que a gente queria gravar uma coisa meio Jackass, só que brasileira”, contou, em referência ao programa americano conhecido por desafios extremos e escatológicos.
O mais novo queridinho dos Bolsonaros tenta deixar, ao final da entrevista, uma mensagem de tolerância: “Eu sou cristão. Tudo que tiver uma palavra de amor, de bênção, eu acredito que vai dar certo. Acho lindo tanto um evento evangélico na praia quanto alguém acendendo vela para Iemanjá”, disse, antes da despedida. “Um abraço. E não fumem maconha”.
Fonte: Revista Época - Bernardo Mello, João Paulo Saconi e Marlen Couto
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